Por outros limites, seguimos!

Ensaio de Juliana Marques

FRAGMENTOS. PEDAÇOS DE IDEIAS, PARTES DE

SENSAÇÕES, TEM DEMANDA, TEM EXCESSO,

TEM COR. PRETA. É O QUE INTERESSA.

(Ana Flauzina)

Durante a pandemia, além de todas as preocupações com isolamento social, mortes que poderiam ter sido evitadas, agravamento das desigualdades no Brasil, maior dependência de recursos tecnológicos para nossas interações sociais e manutenção da vida e, ainda, a ampliação da vigilância que esse movimento pode permitir, uma outra preocupação continuou bem presente: a nossa realidade violenta. Não que os acontecimentos descritos não possam ser lidos como violentos, mas em um país onde a cada 23 minutos um jovem negro morre, os limites da política moderna e seus marcos legais já se encontram em debate há algum tempo, e isso faz com que tenhamos, antes de mais nada, nossa capacidade de pensar política voltada para estratégias de sobrevivência.

A ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) n.635, conhecida como “ADPF das Favelas”, foi um recurso levado ao STF por ONGs, movimentos sociais e coletivos, com o intuito de pressionar a redução da letalidade policial no estado do Rio de Janeiro incluindo a proibição das operações policiais durante a pandemia covid-19. A necessidade de haver uma reivindicação coletiva pelo direito de viver já garantido pela ‘inviolabilidade do direito à vida’ (sic) na Constituição de 1988 é um exemplo bem concreto sobre os problemas relativos aos limites da violência polícial.

Conseguimos parar e projetar o cenário onde todas essas lideranças – mulheres, em sua maioria – tenham a possibilidade de pensar com dedicação sobre educação, economia criativa, saúde coletiva, tecnologia e tendo o apoio do Estado? Utópico podemos dizer, mas considero bem útil para pensar o impacto na construção de outras perspectivas para nossa democracia.

Temos observado, nas últimas décadas, tanto no plano nacional quanto no municipal, uma expansão das organizações da sociedade civil com diferentes propósitos, formatos, tamanhos e áreas de atuação social, relacionado de forma mais geral com as dificuldades por parte do Estado em lidar com os desafios amplificados pelos fenômenos da globalização, pluralização e complexificação das sociedades contemporâneas (Lüchmann, Schaefer e Nicoletti, 2017). Contudo, as cidades seguem sendo imaginadas como fragmentos de lugares e a relação centro-periferia tem marcado também a relação entre a vida e a morte.

Trazendo para o debate outras perspectivas de pensar a cidade e ancorada no conceito de ontologia política trabalhado por Angotti, Sbarra, Rheingants e Pedro (2017), que possibilita visualizar, operar ou tecer as múltiplas realidades urbanas com o auxílio de dispositivos tecnológicos performadas a partir de uma associação híbrida entre os dispositivos humanos de percepção e alguns dispositivos tecnológicos, considero importante apresentar outras imagens dessa mesma cidade Rio de Janeiro.

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Fotos do perfil de instagram @leoquetirafoto

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A mulher é o mundo . A placenta é a casa . Duda está na UERJ! #chádebebênafavela #leoquetirafoto #jacarezinho #azuldojacaré

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15 anos da @beatriz_vitoria2345 um retrato de sua juventude. Sou notabilizado e apelidado de @leoquetirafoto também por registrar as festas do Morro do JacareZinho onde nasci e cresci e me criei. Um dia faço uma exposição só sobre isso. Lá se vai uma década fazendo belas imagens do povo bonito do Jacaré , celebrando seus dias de festa na fresta da violência urbana cometida pela ausência do Estado do RJ. #leoquetirafoto #15zao #15anos #debutantespretas

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O capitalismo extrativista também têm marcado com mortes nosso imaginário político. Coloco neste lugar as mais 500 mil mortes no Brasil durante a pandemia, mas como Marisol de Cadena (2018) trata no caso do El Bauazo – episódio marcado pela morte de mais de 30 indígenas peruanos que manifestavam pelo direito ao território – que elas possam ser traduzidas como irrupção da política onde surgem sujeitos que perturbam a distribuição do discursos para propor outra distribuição de vozes.

Difícil continuar pensando participação política quando se tem o direito à vida negado. Mas, ainda sim muitas mulheres e homens negros e indígenas seguem acreditando que alguma justiça possível passa necessariamente pela atuação desses grupos na política institucional na aposta que algo novo se produza na diferença e pela diferença, pela diversidade étnico-racial e de gênero para o equilíbrio de forças nos espaços de poder institucional.

Aqui, destaco a atuação da deputada federal Áurea Carolina na Comissão Externa do Desastre de Brumadinho que, como membro da comissão, defendeu a garantia no texto final do relatório de proposições que buscassem evitar outros crimes socioambientais (Lourenço e Franco, 2021). Entre as propostas estava o planejamento das ações de proteção e defesa civil antes do início da operação dos empreendimentos de mineração e a obrigatoriedade de os órgãos fiscalizadores criarem sistema de credenciamento de pessoas físicas e jurídicas habilitadas a atestar a segurança das barragens, e ainda sobre reparação orientava a criação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).

Referências

ANGOTTI, F. B.; SBARRA, M. H.; RHEINGANTZ, P. A.; PEDRO, R. M. L. R. A cidade na perspectiva sociotécnica: ontologias políticas, agenciamentos urbanos e lugares híbridos. V!RUS, São Carlos, n. 14, 2017. Disponível em: http://www.nomads.usp.br/virus/virus14/?sec=4&item=1&lang=pt

DE LA CADENA, Marisol. Natureza incomum: histórias do antropo-cego. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 69, p. 95-117, abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rieb/n69/2316-901X-rieb-69-00095.pdf

LOURENÇO, Ana Carolina; FRANCO, Anielle (org). A radical imaginação política das mulheres negras brasileiras.São Paulo: Oralituras, 2021.Disponivel em: https://oralituras.com.br/produtos/a-radical-imaginacao-politica-das-mulheres-negras-brasileiras/

LÜCHMANN, L. H. H.; SCHAEFER, M. I.; NICOLETTI, A. S. Associativismo e repertórios de ação político-institucional. Opinião Pública, v. 23, n. 2, p. 361–396, ago. 2017.

FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro.Utopias de nós desenhadas a sós.Brado Negro, 2015.