Verbete Donna Haraway na Enciclopédia de Antropologia

Por Enciclopédia de Antropologia – https://www.instagram.com/ea_antropo/

“Escrito por Silvana Leodoro, um dos novos verbetes biográficos deste semestre apresenta a filósofa estadunidense Donna Haraway, professora emérita no Departamento de História da Consciência da Universidade da Califórnia – Santa Cruz. Os escritos de Haraway atravessam discussões contemporâneas sobre pós-humanismo, relações multiespécies, feminismo e sobre o Antropoceno.

Haraway foi a primeira professora titular de teoria feminista dos EUA e tem uma longa trajetória de luta e ativismo, engajando-se nos anos 70 na contracultura, protestando contra a guerra do Vietnã e junto ao movimento pelos direitos civis. Além disso, a autora seguiu seus estudos de maneira multidisciplinar, com escritos sobre questões de ciência e tecnologia, em particular de biologia e primatologia, de ficção científica, de feminismo especulativo e demais trabalhos que exploraram saberes situados em corpos e temporalidades. Como bem sublinhado pela autora do verbete, “uma vez tentacular, tal conhecimento explora emaranhados de possibilidades concebendo tanto a ciência, como ficção material, quanto a ficção científica, como teorização sobre a realidade.”

Ainda no escopo da ficção científica, Haraway propõe, segundo Leodoro, “pensar um mundo polimorfo no qual tudo se faz e se desfaz conforme os arranjos de poder, e convoca o movimento feminista a empreender uma “política ciborgue” baseada em identidades e coalizões que se constroem por “políticas de afinidades” e não fixadas em “políticas de identidades” estáveis construídas em torno da categoria gênero.”

Entre suas obras traduzidas no Brasil estão: “O Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo socialista no final do século XX” (1985), pela editora @monstrodosmares e pela @autenticaeditora; “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial” (1988), publicado na revista @cadernospagu; “O Manifesto das espécies companheiras: cachorros, pessoas e alteridade significativa” (2003), pela editora @bazardotempo; e “Quando as espécies se encontram” (2007), lançado neste ano pela @ubueditora. “

Para ler o verbete completo, acesse: https://ea.fflch.usp.br/autor/donna-haraway


[cópia backup https://ea.fflch.usp.br/autor/donna-haraway ]

Donna Jeanne Haraway (1944-) é uma bióloga e filósofa que, por seu ativismo, produção acadêmica, enfoque interdisciplinar e modo de vida alternativo, tornou-se referência nos campos da Antropologia, da ficção científica, tecnociência, Primatologia, Biologia, Filosofia, pensamento feminista, entre outros. Primeira professora titular de teoria feminista dos Estados Unidos, pioneira do ciberfeminismo, Haraway insere-se nos debates contemporâneos sobre o Antropoceno, os feminismos interseccionais, o pós-humanismo e sobre as relações multiespécies que problematizam as fronteiras entre natureza e cultura e propõem formas de produção da vida constituídas pela simpoiesis, o fazer-com, e não pela competição (autopoiesis ou autossuficiência). Em sua poética tecnocientífica coabitam universos fabulativos de histórias, mitos, criaturas orgânicas e inorgânicas que corporificam relações, a um só tempo, de ordem biológica, semiótica e social, a exemplo do ciborgue (figura que transgride fronteiras entre ficção-realidade), do OncoMouse (primeiro animal mamífero, geneticamente modificado, a ser patenteado) e das gerações de Camilles (junção simbiogenética entre crianças humanas e borboletas monarcas).

Nascida em Denver, Estados Unidos, Haraway graduou-se em Zoologia com especialização em Literatura e Filosofia pelo Colorado College (1966) e estudou Biologia Evolutiva e Teologia na Fondation Teilhard de Chardin em Paris. Em 1972, doutorou-se em Biologia na Universidade de Yale com a tese Crystals, fabrics, and fields: metaphors of organicism in twentieth century developmental biology, publicada em 1976. Entre 1971-74, lecionou na Universidade do Havaí e, entre 1974-1980, na Universidade Johns Hopkins. Nos anos 1960-70, participou de movimentos contraculturais antiguerra, antirracistas, pelos direitos civis e liberdade sexual, tornando-se militante feminista e dialogando criticamente com os feminismos marxistas e socialistas. No final dos anos 1970, desenvolveu, com a filósofa feminista Nancy Hartsock (1943-2015), estudos marxistas sobre mulheres. Em 1980, ingressou no programa de História da Consciência, na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, no qual é professora emérita.

Convergindo vida e obra, Haraway propõe um conhecimento conectivo, particular, situado em corpos, temporalidades e políticas nos quais explora várias perspectivas do acrônimo SF que percorrem science fiction (ficção científica), string figures (jogo ou configurações em cordas), speculative feminism (feminismo especulativo), science fact (fato científico), speculative fabulation (fabulação especulativa), soin de ficelles (cuidados com cordas) e, sem esgotar as possibilidades, so far (até aqui, até agora…). Uma vez tentacular, tal conhecimento explora emaranhados de possibilidades concebendo tanto a ciência, como ficção material, quanto a ficção científica, como teorização sobre a realidade. Dentre suas principais obras estão: O Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo socialista no final do século XX (1985), Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial (1988), Primate visions: gender, race, and nature in the world of modern science (1989), O manifesto das espécies companheiras: cachorros, pessoas e alteridade significativa (2003), Quando as espécies se encontram (2007) e Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene (2016).

Em O Manifesto ciborgue, Haraway apresenta o ciborgue, híbrido de máquina-animal e realidade social-ficção, que aponta para o redesenho das formas de poder, produção e subjetividade dominadas pela “informática da dominação”, simbiose entre cibernética, informação digital e indústria militar. Inspirada em autoras feministas de ficção científica, como Marge Piercy (1936-), ela propõe pensar um mundo polimorfo no qual tudo se faz e se desfaz conforme os arranjos de poder, e convoca o movimento feminista a empreender uma “política ciborgue” baseada em identidades e coalizões que se constroem por “políticas de afinidades” e não fixadas em “políticas de identidades” estáveis construídas em torno da categoria gênero. Em “Saberes localizados”, projeta uma perspectiva feminista da ciência cujo conhecimento é situado e inseparável dos corpos que o produzem ou que são por ele afetados. Em Primate Visions, analisando a ciência da primatologia, sugere a revisão de “persistentes” narrativas ocidentais e metáforas sobre diferenças (principalmente racial e sexual), reprodução e sobrevivência.

Rusten Hogness, fotografia, Licença de reúso com atribuição CC BY-SA 3.0

Rusten Hogness, fotografia, Licença de reúso com atribuição CC BY-SA 3.0

A partir de O manifesto das espécies companheiras, Haraway intensifica, em diálogo com o marxismo, seu projeto de “parentesco multiespécies” e propõe pensar futuros que reconheçam animais e outros organismos como “alteridades significativas”, reconfigurando trajetórias humanas e não-humanas como naturais-culturais que ensejam um “devir-conjunto”. Staying with the trouble é manifesto e fabulação sobre habitar coletivamente a Terra em uma era de extermínio em massa das espécies (Capitaloceno-Antropoceno-Plantationoceno). No Chthuluceno – combinação de khthôn [ctônicos], da terra, ser ancestral e kainos [-ceno], tempo de recomeço, agora – florescem “ricos conjuntos multiespécies” ligados por parentescos baseados em afinidades e não em ancestralidades, nos quais humanos dividem com outros seres as possibilidades de vida, morte e regeneração em agenciamentos representados pelo húmus: rico composto resultante da decomposição orgânica. Nessa perspectiva, Haraway define-se como uma “compostista” e não uma pós-humanista.

Sua obra dialoga e repercute entre teóricos (as) como Anna Tsing (1952- ), Bruno Latour (1947-2022), Eduardo Viveiros de Castro (1951- ), Isabelle Stengers (1949-), Judith Butler (1956- ), Marilyn Strathern (1941-), Rosi Braidotti (1954-), Susan Harding (1946-), entre muito(s) outros(as).

Como citar este verbete:
LEODORO, Silvana. 2022. “Donna Haraway”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/donna-haraway

ISSN: 2676-038X (online)