por: Rebeca Hippertt
A “virada cibernética”, para Laymert Garcia dos Santos, constitui o processo pelo qual a informação é transformada em mercadoria. Nesse sentido, o conceito de “informação”, ou melhor, o novo conceito, se apresenta como algo central para a argumentação que o autor desenvolve.
A percepção de que o mundo poderia ser transformado em um imenso banco de dados faz com que a ideia de “informação” possa ser aplicada a áreas do conhecimento, como a biologia, a física e a tecnologia – ao invés de restringir-se ao campo da comunicação. Assim, foi a relação entre o capital, a tecnociência e as novas institucionalidades interestatais posto em marcha na década de 1970 que transformou o conceito de informação, permitindo a ela permear a dimensão do humano, da natureza, cultura e dos objetos técnicos, por meio de um substrato comum, uma linguagem comum da informação, convertido em matéria-prima à disposição da valorização do capital, sendo assim recombinado de múltiplas maneiras.
A possibilidade de se conceber um substrato comum à matéria inerte, ao ser vivo e ao objeto técnico apaga progressivamente as fronteiras estabelecidas pela sociedade moderna entre natureza e cultura (SANTOS, 2003). Seria isso o “centro consistente do ser” definido por Gregory Bateson?
É interessante notar que Laymert Garcia dos Santos, aborda o assunto da diluição das fronteiras entre Cultura e Natureza, Natural e Artificial a partir de outra chave:
Ora, a partir do momento que a natureza, o humano a cultura e o objeto técnico se “hibridam” e se codificam em padrões informacionais, dissolvem-se as fronteiras entre animado e inanimado, social e natural, e, essa sinergia, apesar de possuir possibilidades emancipatórias, não floresce de forma completa, o que pode ser observado na argumentação de Laymert. A penetração do capital na dimensão molecular da realidade, isto é, no nível da informação, mostra que a virada cibernética se coloca a serviço do capital, e o esforço desse último é, portanto, traduzir, controlar e se apropriar das informações que constituem a dimensão humana, a natureza e a cultura. Logo, a tecnociência e o capital global não estão interessados nos recursos biológicos – plantas, animais, humanos, organismo e indivíduos, mas sim, eu seu componente virtual.
Assim sendo, é possível argumentar que a virada cibernética, apresentou uma mudança na lógica da técnica, que passa a ter como elemento central a informação e, com isso, alterou os rumos da aceleração, colocando a tecnociência como o motor de uma acumulação que visa abarcar todo o mundo existente, incluindo-se o humano, como matéria-prima.
A ideia de “aceleração” e “velocidade” também são aspectos importantes a serem debatidos no âmbito da temática da virada cibernética. Segundo Laymert, optando pela estratégia da aceleração tecnológica e econômica total, pela colonização do virtual e pela capitalização da informação genética e digital, a sociedade ocidental contemporânea se volta para o futuro e parece condenar todas as outras sociedades à integração ao seu paradigma ou ao desaparecimento – como se não houvesse a possibilidade de uma convivência entre ela e outras formações sociais e culturais.
Segundo o mesmo autor, a estratégia da aceleração total funde, num só e único movimento, uma racionalidade tecnocientífica que recusa qualquer limitação ao desenvolvimento e uma racionalidade econômica que rejeita até mesmo a ideia de qualquer limite para o capital (SANTOS, 2003).
Muitos autores se debruçaram sobre o assunto da aceleração para analisar as relações entre percepção, tecnologia e sociedade, a saber, Arlindo Machado, Vilém Flusser e Paul Virilio. A aceleração também emerge como fenomeno social, modulando o ritmo das vidas e da produçao simbólica e estética, exigindo atualizações cada vez mais rápidas, “premiando” assim, os que se adaptam mais facilmente e, descartando e excluindo os que não conseguem acompanhar a velocidade de tais mudanças.
Tendo em vista o que foi exposto até aqui, argumenta-se que, os organismos e os indivíduos podem ser rapidamente descartados a partir do momento em que seus recursos informacionais são apropriados. Trata-se de privilegiar o virtual, de construir condições de antecipar o futuro por meio de uma apropriação econômica do mesmo. É nessa direção que emerge outra questão que é importante refletir a partir da temática da virada cibernética: a ideia de indivíduo.
A partir do momento que quase tudo é reduzido ao nível da informação, o corpo e o indivíduo são descartados ou diluídos no interior da dimensão “virtual da realidade”. Se pensarmos no mecanismo de controle digital, é possível perceber que muitas vezes, esses sistemas de controle não estão interessados em vigiar ou controlar algum indivíduo específico, mas sim, observar fluxos estabelecidos a partir de uma massa de dados. Ou seja, não importa o corpo individual para o estabelecimento de tais padrões.
Porém, ao mesmo tempo, há momentos em que o poder de controle se interessa pela verificação e controle de um indivíduo, em que certa materialidade do corpo se torna interessante aos padrões estabelecidos. Um exemplo disso seria o termo usado por Martins e Garcia (2013) a respeito do “individualismo de redes” (networked individualism), que consiste em, segundo os autores, nos desligarmos dos grupos sociais tradicionais para participamos, de forma anônima, ou, através de identidades múltiplas de redes sociais de vários tipos. Nesse caso, parece que a noção de indivíduo com identidade, anônima ou múltipla se torna algo central para o funcionamento do sistema, sendo interessante a esse último, a vigilância das pegadas digitais pessoais do indivíduo, sua privacidade e sua “identidade”. Assim sendo, nos deparamos, frente à virada cibernética e a hegemonia cibertecnológica, com um paradoxo do indivíduo, que ao mesmo tempo é uno e múltiplo, existe, mas também se dissolve.
Referências
SANTOS, Laymert Garcia. A Informação após a Virada Cibernética. IN. Revolução Tecnológica, Internet e Socialismo. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2003. Disponívelem: https://bibliotecadigital.fpabramo.org.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/286/revolucao_tecnologica_internet_e_socialismo.pdf
MARTINS, Herminio & GARCIA, J.L. A Hegemonia cibertecnológica em curso: uma perspectiva crítica. IN. MARTINHO, Teresa. D & GARCIA, J.L. (orgs) Cultura e Digital em Portugal. Lisboa: Ed. Afrontamento, 2013.