Xamã: entre o visível e o invisível

Projeto Xamã

Aqueles que utilizam a web há alguns anos e que já construiram sites ou projetos na Internet sabem a tristeza que é quando um longo trabalho se perde na rede. A preservação da memória digital e da história na Internet é um grande desafio para pesquisadores, bibliotecários, infotrabalhadores, historiadores etc.

Durante meu doutorado resolvi construir um site (usando Plone) para fazer um percurso aberto de investigação. Ao criar o “Xamã“, minha idéia era compartilhar dados brutos e sistematizados, pedaços da tese e artigos ainda em redação, para tornar a trajetória de pesquisa mais colaborativa. O resultado foi muito satisfatório, e acredito que foi graças à metodologia adotada que consegui avançar sobre novos temas de estudo com relativa velocidade.

Para viabilizar tal empreitada utilizei-me na época (2005-2009) de um serviço gratuito de hospedagem oferecido pela FAPESP, denominado Incubadora Virtual – IV (atualmente fora do ar, mas que pode ser visualizado no WaybackMachine).

Este projeto – IV – era uma iniciativa inovadora que oferecia infraestrutura tecnológica em software livre para diversos projetos de pesquisa. Se não me falha a memória, no ápice do programa a Incubadora chegou a hospedar cerca de 530 projetos. O “Xamã”, nosso projeto, era apenas um deles.

A Incubadora Virtual fez parte de um conjunto de iniciativas promovidas pelo cientista da computação Imre Simon, professor do Instituto de Matemática e Estatística da USP e considerado um dos “pais” da informática no Brasil. Porém, aos poucos, a Incubadora Virtual foi perdendo apoio e continuidade no interior da FAPESP. A perda do professor Imre é apenas um dos fatores que pode ter contribuído para o encerramento daquela importante iniciativa em software livre.

Já no final de 2009 a Incubadora começa a apresentar problemas técnicos. O suporte técnico já não é contínuo e diversos projetos hospedados começam a ficar com o acesso comprometido. Não me lembro ao certo em que momento a Incubadora saiu definitivamente do ar. Infelizmente, não houve uma política de desligamento gradual para que todos pudessem fazer uma transição tranquila para outras plataformas ou mesmo um backup dos conteúdos hospedados. No meu caso, todos os materiais organizados durante os quatro anos do doutorado ficaram perdidos. Felizmente, alguns anos depois, consegui contactar alguns dos responsáveis e eles conseguiram localizar e disponibilizar um backup.

Isso tudo me faz pensa na importância do registro da memória e de nossa história num contexto em que cada vez mais nossas informações e conhecimentos estão abrigados em ambientes digitais. Quem está coletando e organizando isso? Quem são os grandes “bibliotecários”? Quais as políticas de indexação e disponibilização dessas informações? Quem tem e terá acesso e sobre que condições? Como sabemos, tais questões são fundamentais na definição do passado, do presente e do nosso futuro.

Finalmente, e felizmente, hoje uma boa parte do site Xamã está de volta ao ciberespaço. Isso só foi possível graças ao colega Rhatto (que restaurou os dados), ao coletivo de tecnoativistas Saravá que apoia os projetos do Pimentalab, e também a esta iniciativa chamada “WayBackMachine“, mantida pela fundação Internet Archive, que tem feito um grande esforço para registrar e dar livre acesso a uma boa parte da internet que já foi “deletada” da história.